segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O USO APROPRIADO DA BÍBLIA



Por A. W. Tozer

Gabar-se de que a Bíblia é o livro mais vendido do mundo fica sem sentido quando se entende o caráter e o propósito da Bíblia.

O que conta não é o número de Bíblias vendidas, nem mesmo quantas pessoas a lêem; o que importa é quantos de fato crêem naquilo que estão lendo e se rendem em fé para viver pela verdade. Menos que isso, e a Bíblia não tem nenhum valor real a qualquer de nós.

Muito se diz, e corretamente, sobre a superioridade da Bíblia como literatura. São tão belas as palavras de profeta e salmista, como também as de nosso Senhor e de Seus apóstolos, que dificilmente podem ser feitas menos que belas, até mesmo pelo pior tradutor. Qualquer palavra de louvor à beleza da Versão Autorizada (aquela que usualmente se escolhe para ler “como literatura”) seria enfeitar artificialmente o que já é belo ou acender uma vela ao sol, por isso paro aqui mesmo. Mas estudar as Escrituras unicamente por sua beleza literária é perder completamente o propósito para o qual foram escritas.

A Bíblia surgiu pela emergência moral ocasionada pela queda do homem. Ela é a voz de Deus chamando para casa o homem que está no deserto do pecado, ela é um mapa que orienta os pródigos que estão voltando; ela é instrução em justiça, luz nas trevas, informação sobre Deus e o homem e a vida e a morte e o céu e o inferno. Nela Deus adverte, ordena, repreende, promete, encoraja. Nela Deus oferece salvação e vida através do Seu Filho Eterno. E o destino de cada um depende da resposta que dá à voz da Palavra.

Pelo fato de a Bíblia ser a espécie de livro que ela é, não é possível aproximar-se dela sem envolver-se, com o simples objetivo de avaliá-la. “Ó terra, terra, terra! Ouve a palavra do Senhor!” A Palavra de Deus não é para ser apreciada como alguém poderia apreciar uma sinfonia de Beethoven ou um poema de
Wordsworth. Ela demanda imediata ação, fé, submissão, execução. Até que isso seja assegurado, ela não fez nada benéfico para o leitor, mas apenas aumentou a responsabilidade dele e aprofundou o julgamento que há de vir.

Não há como descobrir com segurança quantas Bíblias, dos milhões comprados nos últimos anos, têm sido lidas. Mas há uma forma segura de descobrir quantos leitores estão obedecendo ao que lêem. O total compromisso ao seu ensino por parte de algumas centenas de pessoas, em qualquer parte do mundo, operaria uma revolução moral que afetaria para o bem toda e qualquer faceta da vida moderna. Uma vez que nenhuma revolução dessa espécie tem ocorrido, só podemos concluir que o Best Seller não está sendo lido, ou pelo menos não está recebendo a obediência devida.

Em tempos de desastre como num terremoto ou numa enchente, as informações de primeiros-socorros e as instruções das autoridades médicas muitas vezes são questão de vida ou morte. O que pensaríamos de um homem, se o encontrássemos lendo esse
material apenas por sua beleza literária? Ele poderia sentir arrepios estéticos com
a resumida e concisa linguagem, e ainda morrer de febre tifóide, porque a vida dele depende não de admirar as palavras das instruções oficiais, mas da sua obediência a elas.

Por mais ridícula que uma conduta dessas possa parecer, contudo algo semelhante é praticado constantemente numa esfera onde as conseqüências são infinitamente mais
severas. Homens que têm apenas um momento para se preparar para o mundo eterno lêem o único livro que pode lhes dizer como fazê-lo – não para aprender como se preparar, mas só para apreciar a beleza literária do livro. Somente a cegueira do coração provocada pelo pecado pode fazer com que os homens procedam assim.

Em anos recentes, a Bíblia tem sido recomendada para muitos outros propósitos diferentes do único para o qual ela foi escrita. Os movimentos de paz mental, por exemplo, manejam de tal forma a encontrar nela óleo para as atribuladas águas da alma, mas para fazer isso funcionar eles têm, literalmente, de selecionar, escolher, compreender mal e usar de modo errado à vontade. Contudo a Bíblia, quando lida honesta e responsavelmente, produz paz mental, mas somente depois de primeiro conduzir o coração a um arrependimento que freqüentemente é qualquer coisa menos tranqüilo. Quando a vida inteira é transformada moralmente e o coração purificado do pecado, então aquele que busca pode conhecer verdadeira e legítima paz. Qualquer manipulação das Escrituras para que falem de paz ao homem natural é diabólica e somente conduz à ruína.

Encontrei, certa vez, nas regiões montanhosas do sul dos Estados Unidos, algumas pessoas que usavam certas passagens obscuras de Ezequiel como encantamento para estancar sangue após algum acidente. A Bíblia também tem sido usada como livro-texto
de vendedores, e alguns de nós se recordam que, durante a depressão de 1930, alguns líderes confusos sugeriram que seria útil adotar as estratégias econômicas de José no Egito para ajudar-nos a sair do buraco.

Alguns anos atrás, era bastante comum mestres de Bíblia alegar que encontravam nas Escrituras confirmação de praticamente cada nova descoberta feita pela ciência. Aparentemente, ninguém se dava conta de que o cientista tinha de encontrá-la antes que o mestre de Bíblia pudesse fazê-lo, e parece que nunca ocorreu a ninguém perguntar por quê, se isso estava ali na Bíblia de forma tão simples, demorou alguns milhares de anos e demandou a ajuda da ciência para que alguém pudesse vê-lo.

Ora, eu creio que tudo o que está na Bíblia é verdade, mas procurar fazer dela o livro-texto da ciência é compreendê-la mal de forma completa e tragicamente. O propósito da Bíblia é trazer homens a Cristo, torná-los santos e prepará-los para o céu. Nisso ela é única entre os livros, e ela sempre cumpre o seu propósito quando é lida com fé e obediência.

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